Ainda na manhã do último dia do Encontro Públicos da Cultura, Isaura Botelho, pioneira na pesquisa de política cultural no país, apresentou suas "Observações sobre a formação de públicos e seus desafios", observações nascidas, segundo ela, da angústia do gestor público em busca de respostas, mais do que de especulações teóricas. [Exatamente como este blog.]
Para Isaura, um pressuposto equivocado ainda preside a maior parte das políticas de cultura, a saber, o da democratização cultural. Tais políticas dedicam-se a "converter" pessoas incultas em cultas mediante sua exposição pura e simples ao legado universal da alta cultura. Ocorre que as pesquisas realizadas em diversas partes do mundo ao longo do último meio século não deixam dúvidas de que o gosto artístico não é inato, mas necessita ser formado e/ou transmitido. Tais políticas "de oferta" formulam-se e implantam-se "de cima para baixo", em geral priorizando o combate às barreiras econômicas (como o preço dos ingressos) ou geográficas (a localização dos equipamentos culturais) ao acesso. Outros obstáculos - simbólicos, cognitivos, sócio-demográficos - são subestimados ou simplesmente ignorados, bem como outras dimensões da cultura - como o local, o popular e o tradicional. Paradoxalmente, políticas de fomento, subvenções e incentivos, em curso há décadas no Brasil, reforçam essas desigualdades, favorecendo o consumo justamente daquela parcela do público que detém as condições de acesso e os códigos para a compreensão, em consequência de suas condições de renda e educação.
Para Isaura, um pressuposto equivocado ainda preside a maior parte das políticas de cultura, a saber, o da democratização cultural. Tais políticas dedicam-se a "converter" pessoas incultas em cultas mediante sua exposição pura e simples ao legado universal da alta cultura. Ocorre que as pesquisas realizadas em diversas partes do mundo ao longo do último meio século não deixam dúvidas de que o gosto artístico não é inato, mas necessita ser formado e/ou transmitido. Tais políticas "de oferta" formulam-se e implantam-se "de cima para baixo", em geral priorizando o combate às barreiras econômicas (como o preço dos ingressos) ou geográficas (a localização dos equipamentos culturais) ao acesso. Outros obstáculos - simbólicos, cognitivos, sócio-demográficos - são subestimados ou simplesmente ignorados, bem como outras dimensões da cultura - como o local, o popular e o tradicional. Paradoxalmente, políticas de fomento, subvenções e incentivos, em curso há décadas no Brasil, reforçam essas desigualdades, favorecendo o consumo justamente daquela parcela do público que detém as condições de acesso e os códigos para a compreensão, em consequência de suas condições de renda e educação.
Para Bernard Lahire, só se pode falar em desigualdade de acesso quando existe a vontade deste acesso, vontade que não se forma por si, não é uma necessidade natural. Mesmo o indivíduo nascido em classe elevada ou que atingiu alto nível de escolaridade não irá necessariamente desenvolver esta vontade, que dependerá ainda dos hábitos adquiridos no ambiente familiar. [A cultura dos indivíduos, Artmed] A escola teria um papel importantíssimo neste processo de formação de público, já que mantém os indivíduos por longo tempo sob sua influência direta, permitindo compensar, ao menos em parte, as desigualdades dos ambientes familiares. No entanto, o lugar das artes em geral ainda é marginal no ambiente escolar.
Para Karl Manheim, democratizar, ou seja, ampliar e incluir no campo das artes, passa ainda e necessariamente por questionar a ideia de talento ou gênio como um dom divino, provinda de culturas autoritárias. Privilegiaríamos assim a ideia de processo e de gênese, permitindo “explicar fenômenos em termos de contingência antes que de essência”. [Sociologia da Cultura, Perspectiva, 2013]. Sob essa ótica, torna-se evidente a pobreza de horizontes de uma política cultural que compreenda o cidadão como mero consumidor de bens e serviços culturais.
Para Karl Manheim, democratizar, ou seja, ampliar e incluir no campo das artes, passa ainda e necessariamente por questionar a ideia de talento ou gênio como um dom divino, provinda de culturas autoritárias. Privilegiaríamos assim a ideia de processo e de gênese, permitindo “explicar fenômenos em termos de contingência antes que de essência”. [Sociologia da Cultura, Perspectiva, 2013]. Sob essa ótica, torna-se evidente a pobreza de horizontes de uma política cultural que compreenda o cidadão como mero consumidor de bens e serviços culturais.
Na década passada, Isaura coordenou a pesquisa pioneira O uso do tempo livre e as práticas culturais na Região Metropolitana de São Paulo, na qual foram entrevistadas 2002 pessoas acima de 15 anos. Seguiu-se uma etapa qualitativa, em que 93 participantes da amostra anterior responderam a questionários mais detalhados. As entrevistas revelaram que muitas das pessoas que não se destacavam por seu nível de acesso ou consumo cultural expressavam-se criativamente através de práticas amadoras. Por outro lado, diversas pessoas com alto capital econômico e formação escolar interessavam-se pouco por atividades culturais. A pesquisa produziu ainda um vídeo com 54 min, intitulado "Inventar no cotidiano.” [O título faz referência à obra de Michel de Certeau, A invenção do cotidiano. Vozes, 2013]