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Arjo Klamer, no Congresso da AIMAC em Bogotá,
junho de 2013 (foto Álvaro Santi) |
Para marcar o lançamento do Observatório de Economia Criativa do RS - parte de uma rede projetada pelo Ministério da Cultura com participação de seis universidades federais, já implantado em Goiás e no Rio de Janeiro - a UFRGS promove esta semana duas atividades: o curso
Economia da Cultura, Gestão e Desenvolvimento e uma série de encontros intitulado
Conexões Criativas.
Para a abertura, nesta segunda-feira, estiveram em Porto Alegre dois convidados de peso:
Arjo Klamer, professor da Universidade Erasmus de Roterdam e (segundo a página desta universidade) titular da única cátedra de Economia da Cultura no planeta; e
Teixeira Coelho, coordenador e curador do Museu de Arte de São Paulo e autor do imprescindível
Dicionário Crítico de Política Cultural e uma das principais autoridades brasileiras sobre este tema.
Para iniciar, Klamer defendeu a análise econômica como
uma ferramenta importante para a crítica das políticas culturais. E partiu do conceito clássico de “disposição
de pagar” (
willingness to pay ou WTP), utilizado pela teoria econômica para estimar o valor de um
bem público, aquele que, por essência, não pode ser negociados no mercado, mas tem valor inegável - como o ar puro ou a limpeza pública). O valor desses bens pode ser estimado com base naquilo que os cidadãos estariam dispostos a pagar pela sua existência ou manutenção (papel que em geral toca ao Estado). Tradicionalmente, o conceito estende-se aos bens
culturais, pois não obstante existir um mercado de troca para
produtos culturais, a manutenção do patrimônio cultural não é uma atividade economicamente rentável.
Para Klamer, porém, quando
pagamos o ingresso num museu, o valor pago não teria relação com o valor que atribuímos ao patrimônio ali exposto, à experiência estética que nos proporciona, mas
somente pelo direito de ingressar nesse prédio. Assim como, ao alugarmos uma casa, não compramos um lar, a experiência que
podemos ter dentro do museu não tem relação com o preço do ingresso, pois é subjetiva e não se realiza sem a a participação ativa do
interessado.
De forma similar, os novos modelos de negócios da era da
Internet, encabeçados por Facebook, Google, Youtube e outros, não
têm qualquer valor sem o conteúdo aportado por seus usuários. Klamer deriva daí uma definição de arte como “conversação”, cujo
valor emerge somente quando compartilhamos nossos gostos e experiências com
outros seres humanos. Ele acredita que os subsídios públicos às instituições culturais europeias dificultam a percepção desse fato pelo
cidadão que, de outra forma, poderia participar de forma mais ativa e direta no financiamento dessas instituições, com base não numa "vontade de pagar", mas de compartilhar, estar próximo dos processos criativos e ao mesmo tempo estimulá-los.
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Teixeira Coelho, na VIII Conferência Municipal de Cultura
de PoA, em 2011. (Foto de João Mattos para o JC) |
Teixeira Coelho trouxe à tona o texto "
Possibilidades econômicas para nossos netos", em que o economista J. M. Keynes, num momento de pessimismo generalizado devido à Grande Depressão de 1929, previa que no século XXI seria possível à humanidade trabalhar somente 15 horas semanais, satisfeitas
todas as necessidades básicas graças ao progresso que viria inevitavelmente, como
consequência das inovações tecnológicas então recentes (eletricidade, motores, rádio...) Aparentemente, o que deu errado nessa utopia é que, uma vez satisfeitas as necessidades básicas, sempre surgem novas necessidades artificiais, que nos estimulam a trabalhar cada vez mais, a fim de adquirirmos novos bens, mesmo desnecessários, e entre estes os produtos culturais, cuja compreensão e apreciação, segundo Pierre Bourdieu, servem para o indivíduo como um modo de distingui-lo em sociedade, seja pelo poder aquisitivo, seja pela educação refinada (pela "cultura", num sentido um pouco antiquado).
Recuperando um passado recente em que o ativismo cultural no Brasil, como derradeiro argumento, começou a chamar atenção para a importância econômica das artes (o que no fundo não deu muito resultado na esfera política), ele alerta para o perigo da "instrumentalização" da cultura e das artes como "ferramenta de negócios", embutido no conceito de Economia Criativa, especialmente quando a ênfase recai
nos negócios. Ressaltando não ter críticas à existência de um mercado de bens culturais, espaço onde se realizam negócios, acredita no entanto que essa estratégia traz consigo riscos para o cenário brasileiro, onde o subsídio às artes e à indústria cultural é ínfimo se comparado, por exemplo, à indústria automobilística.
PS -
Uma versão revisada do
texto acima pode ser lida na Agenda Cultural da UFRGS para setembro/outubro de 2014, que contém ainda uma entrevista com Teixeira Coelho.