As controvérsias da arte, seu valor público e o papel das políticas culturais

Holy Virgin Mary, de Chris Ofili

Pesquisa sugere que políticas culturais podem promover a tolerância a obras de arte polêmicas.


No último dia 10 de setembro, o Instituto Santander Cultural, maior centro cultural de Porto Alegre, decidiu pelo fechamento da exposição QueerMuseum: Cartografias da Diferença na América Latina, um mês antes do previsto, devido a alegações de desrespeito a símbolos religiosos e incentivo a práticas sexuais ilícitas.

A decisão de cancelar a exposição, por sua vez, provocou protestos contra a censura e a favor da liberdade de expressão, iniciando um debate que se alastrou pelo país via redes sociais, chegando aos principais jornais e noticiários, inclusive no exterior.

Embora a existência das redes sociais seja um componente relativamente novo (e particularmente explosivo) desse imbroglio cultural, a polêmica em si não representa novidade. Por isso, revisitar fatos semelhantes ocorridos num passado recente pode ser instrutivo. No artigo "The Public Value of Controversial Art: The Case of the Sensation Exhibit" ["O valor público da arte controversa". Link para o texto em inglês], Arthur C. Brooks analisa a polêmica provocada pela exposição Sensation, inaugurada em 2 de outubro de 1999 no Museu do Brooklyn, em Nova York. Exibida previamente em Londres e Berlim, consistia principalmente de obras de jovens artistas britânicos, pertencentes ao colecionador Charles Saatchi.

Entre outras obras polêmicas - qualificadas pelo Prefeito em pessoa como "horríveis e repugnantes" - encontrava-se a obra Holy Virgin Mary (foto), do artista de origem nigeriana Chris Ofili, que representou uma Virgem Maria negra, utilizando estrume de elefante, rodeada de fotos de genitais femininos recortados de revistas pornográficas. Com o apoio de ativistas e associações religiosas, o Prefeito bloqueou recursos para o Museu, tentou demitir seus dirigentes e quis até despejá-lo do prédio que ocupa, mas essas ações foram condenadas por artistas e políticos de renome e finalmente detidas pela Justiça, permitindo a continuidade da exposição conforme planejado. (Mas a Galeria Nacional da Austrália, próximo destino da exposição, acabou desistindo de hospedá-la.)

Partindo do aparente paradoxo do caso - o fato de que um mesmo evento é percebido por diferentes pessoas como possuindo valor (cultural) positivo ou negativo - Brooks analisa dados de uma enquete telefônica realizada ainda durante a exposição, perguntando: a) se o Museu tinha o direito de exibir a mostra; b) se o Governo podia proibi-la e c) se o Governo podia negar patrocínio ao Museu por causa dessa exposição. As respostas a essas três questões, combinadas com o perfil dos respondentes, evidenciam que as reações positivas ou negativas à exposição (e a obras controversas em geral) estão relacionadas com características demográficas mais ou menos definidas, levando a crer que tais controvérsias, ainda que inevitáveis, podem ser amenizadas mediante ações deliberadas. Com base nesses resultados e visando aumentar a tolerância com esse tipo de obras/exposições, o autor recomenda que as políticas culturais invistam no incremento da demanda, especialmente entre os jovens, a fim de aumentar sua familiaridade com as artes plásticas em geral (e não apenas com obras controversas).

Dados da pesquisa Usos do tempo livre e práticas culturais do Observatório da Cultura mostram que metade da população de Porto Alegre nunca esteve numa exposição de artes; enquanto outros 30% não visitaram nenhuma nos últimos 12 meses. Noutro exemplo, a pesquisa da J.Leiva Cultura e Esporte concluiu que somente um em cada quatro paulistas frequentaram algum museu nos últimos doze meses.

Músico de formação, Brooks foi professor na Universidade de Syracuse NY e atualmente preside o American Enterprise Institute. Seu artigo aqui citado está no livro Beyond Price: Value in Culture, Economics and the Arts (2008)organizado por Michael Hutter e David Throsby para a Editora Cambridge (foto).

A Secretaria da Cultura em números, de janeiro a agosto

Atividades da Cinemateca Capitólio tiveram o maior percentual
de execução do orçamento da SMC até agosto

Execução do Orçamento 2017 tem grande variação entre os órgãos do Município


Apresentamos aqui alguns dados referentes à execução orçamentária do Município, da Secretaria Municipal da Cultura (SMC) e de seus principais programas, para os oito primeiros meses de 2017. A fonte dos dados é o Portal do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS).

Dos pouco mais de R$ 64 milhões destinados à SMC pela Lei Orçamentária Anual (LOA), foram empenhados até o final de agosto apenas R$ 18.455 milhões, ou 28,8% do valor previsto. No total, a Prefeitura (ou a Administração Centralizada, que exclui a Carris e autarquias como o DMAE) empenhou aproximadamente R$ 2,7 bilhões, que corresponde a 63,5% de um total de R$ 4,25 bilhões previstos na LOA. Se considerarmos que esse valor refere-se aos oito primeiros meses, ou 2/3 do ano, a execução total do Município aproxima-se da previsão feita pela LOA, porém há grande variação entre os diferentes órgãos municipais.

Dentre os 24 órgãos da Administração Centralizada, dez empenharam menos de 50% do orçamento previsto. A SMC teve o terceiro pior desempenho neste quesito, superando apenas a Secretaria dos Transportes (SMT, que empenhou 16,3% do previsto) e a do Trabalho e Emprego (SMTE, com 26,9%).

Com poucos recursos para atividades-fim, maior parte da despesa da SMC foi com pessoal


Variação semelhante ocorre dentro do orçamento da SMC, entre os diversos programas, tendo aqueles voltados às atividades-meio apresentado maior percentual de execução. Tal situação deve-se à não liberação ou contingenciamento da maior parte dos recursos destinados aos programas culturais (finalísticos). Dos R$ 18,4 milhões empenhados, mais de R$ 13 milhões (70,5%) foram despesas com pessoal. Somados aos R$ 2,1 milhões da rubrica "Administração Geral" e R$ 911 mil para "Processamento de Dados" (recursos destinados à remuneração da Procempa pelos serviços de TI), chega-se a um percentual de 87,2% da despesa com atividades-meio.

A soma do gasto com as atividades-fim, portanto, foi de R$ 2,3 milhões, ou menos de 13% do valor empenhado até agosto pela SMC. Dentre estas, a Cinemateca Capitólio destacou-se como o programa que alcançou o maior percentual de execução orçamentária, tendo empenhado R$ 109 mil dos R$ 190 mil previstos (57,4%), seguido de longe pelo Atelier Livre, que empenhou R$ 30 mil dos R$ 191 mil previstos (16,1%). Entre os demais programas, nenhum atingiu 10% de execução do Orçamento, e treze não tiveram nenhum valor empenhado até agosto, inclusive os Fundos Monumenta (R$ 514 mil previstos) e Fumproarte (R$ 1,2 milhão). Já no Funcultura, foram empenhados R$ 295 mil, ou 3,9% dos recursos previstos na LOA (R$ 7,6 milhões).

Se mantido o mesmo ritmo no último quadrimestre (setembro a dezembro), a SMC executará menos da metade do orçamento previsto para este ano (43,2%), projeção que, se confirmada, registraria o presente ano como o de menor execução orçamentária do órgão, desde os anos iniciais de sua criação, em 1988-9. Veja a tabela com resumo da execução orçamentária da SMC para 2017. (jan-ago)

Saiba mais:
O orçamento dos fundos Funcultura e Fumproarte foi assunto de uma postagem anterior desse blog.
O próximo Plano Plurianual de Porto Alegre foi objeto de duas postagens recentes no blog, aqui e aqui.