Impressões de Bogotá: visita a uma biblioteca pública

Sempre que viajo a um país americano de fala hispânica, me impressiona em alguma medida a cultura de sua população, entendida aqui cultura como instrução e ilustração. Essa impressão contrasta cada vez mais com a cobertura jornalística dos nossos meios de comunicação, a qual, além de escassa, frequentemente apresenta nossos vizinhos como uns índios supersticiosos, facilmente guiados por populistas rumo a modelos políticos e econômicos ultrapassados, nos quais não nos é conveniente inspirar, como "país do futuro" que somos.
Nossas escolas, pela pouca ênfase na história, geografia e literatura desses povos, não nos previnem contra essa falsa impressão, que naturalmente joga contra qualquer iniciativa de integração real com esses povos que compartilham tanto conosco. Integração que não coincide com o interesse das maiores potências mundiais, que no plano econômico tem preferido assinar tratados bilaterais de livre comércio. E assim avança o Mercosul, a passos de tartaruga. Mas o que isso tem a ver com política cultural?
Entre as primeiras políticas culturais em que se engajaram nossas nações americanas independentes, lusas ou hispanas, estava a instrução pública. Após expulsar os exércitos do conquistador e delimitar fronteiras, percebeu-se que criar uma Nação requeria "civilizar" sua população (i.e. torná-los cidadãos), começando por ler e escrever no idioma oficial até a legitimação das instituições do Estado. Isso era tão mais importante quanto maior o território.
Porém o Brasil saiu em enorme desvantagem nessa luta. Basta dizer que em 1920, quando criamos nossa primeira universidade, nossos vizinhos hispanos, tendo iniciado no século XVI, já contavam com 20 (nos EUA eram 78).
O projeto é do arquiteto colombiano Rogelio Salgado
Penso nisso ao visitar a assombrosa Biblioteca Virgílio Barco. Mais que uma biblioteca, um verdadeiro centro cultural com um belíssimo projeto arquitetônico, dentro do principal Parque de Bogotá. Integra a chamada Biblored, rede de bibliotecas municipais com outras três similares, quatro menores e outras nove "de bairro". Além de sua localização ser descentralizada, elas atendem nos finais de semana, e até as 8 da noite em dias úteis, afinal foram pensadas para atender à população de menor poder aquisitivo. Sua construção foi iniciada nos anos 90, num desesperado esforço por retomar a civilização das mãos do tráfico e da guerrilha. (Em Medellín, segunda maior cidade colombiana, há uma rede semelhante, ainda sendo ampliada atualmente.)
É claro que me sinto aliviado de não termos guerrilha no Brasil, embora o tráfico... Segue-se ao alívio uma certa vergonha, ao pensar nas nossas bibliotecas, mas afinal sempre temos a desculpa de que aqui no sul do Brasil foi justo onde a civilização tardou mais a chegar. Depois fico tentando lembrar se em algum lugar do Brasil temos bibliotecas como essa - salvo naturalmente a Biblioteca Nacional, patrimônio nacional, no Rio de Janeiro. Temos ainda as de Brasília, São Paulo, Belo Horizonte e...
Ao receber-nos no local, a Secretaria de Cultura, Recreação e Esportes de Bogotá proporcionou algumas atrações artísticas, culminando com uma mini-escola de samba. Lembro enfim, para meu consolo, que Porto Alegre está construindo um sambódromo, enfrentando pela primeira vez o desafio de implementar um equipamento cultural na periferia da cidade.

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