Perguntado acerca de quais seriam os atuais desafios das políticas culturais, esboço aqui uma resposta possível, a partir de minha vivência de duas décadas no setor. De forma sucinta e sem aprofundamentos, destaco quatro que considero principais, os quais consistem em dar resposta efetiva a quatro distintos problemas - ou crises.A primeira crise é mesmo de identidade ou de
propósitos, e deve-se tanto às transformações mais recentes da sociedade (globalização,
revolução digital, etc.) quanto aos próprios conceitos de cultura e política
cultural, cuja precisão diminui à medida que se amplia seu uso.
[1]. A segunda e mais debatida é a crise de recursos, que se caracteriza de forma mais urgente pela luta cotidiana por “fazer mais com menos”, sob ameaça constante de cortes orçamentários, a despeito dos valores já insuficientes para fazer o mínimo. A terceira é uma crise de planejamento e gestão, cujos sintomas incluem a escassez de informações que possam dar conta do sucesso ou fracasso dessas políticas; e a falta de vontade política de produzir tais dados, ou levá-los em conta, quando existam. E, finalmente, há uma crise de participação ou engajamento, que se revela na resposta débil da sociedade – mesmo entre agentes culturais, levados eventualmente ao desânimo pela sensação de eterno retorno de certos debates – frente aos problemas mencionados aqui, resposta que em última análise nos dá a real importância dessas políticas.
[1]. A segunda e mais debatida é a crise de recursos, que se caracteriza de forma mais urgente pela luta cotidiana por “fazer mais com menos”, sob ameaça constante de cortes orçamentários, a despeito dos valores já insuficientes para fazer o mínimo. A terceira é uma crise de planejamento e gestão, cujos sintomas incluem a escassez de informações que possam dar conta do sucesso ou fracasso dessas políticas; e a falta de vontade política de produzir tais dados, ou levá-los em conta, quando existam. E, finalmente, há uma crise de participação ou engajamento, que se revela na resposta débil da sociedade – mesmo entre agentes culturais, levados eventualmente ao desânimo pela sensação de eterno retorno de certos debates – frente aos problemas mencionados aqui, resposta que em última análise nos dá a real importância dessas políticas.
Uma crise de identidade emerge à medida que
nossas instituições culturais – seus gestores, colaboradores e público – não têm
clareza sobre sua missão, o sentido do seu trabalho, seu papel na sociedade.
Muitas delas encontram-se frente a encruzilhadas, instadas a se reinventarem de
forma dramática, vedada a opção de simplesmente fechar as portas. Para que
insistimos em promover concertos, frequentados por reduzida parcela da
população, se dois terços dela nunca os assistiram e, pior, muitos destes declaram
não ter interesse[2]?
A experiência de uma visita virtual a um museu pode ser tão rica quanto a
visita in loco? Caso positivo, ainda faz
sentido manter o museu real aberto,
ou faríamos melhor economizando os recursos que o permitem? Ainda cabe patrocinar
filmes em película, livros em papel? Se as indústrias criativas são
economicamente sustentáveis, devemos investir nelas os escassos recursos das
políticas culturais? São somente alguns exemplos.
E assim chegamos ao desafio dos recursos,
segundo da lista. Antes de qualquer coisa, não nos esqueçamos dos humanos, cuja
qualificação constitui desafio à parte. Não é demais lembrar que os modernos estudos
de Economia da Cultura nascem simultaneamente à constatação de que os custos da produção nesse campo da atividade humana – ou parte substancial deles, em todo caso - crescem continuamente em relação à economia como
um todo, uma vez que apesar da evolução tecnológica determinados ganhos de
produtividade continuam não se aplicando – ou jamais se aplicarão – ao setor, pela sua dependência do trabalho humano criativo e insubstituível por máquinas [3].
Quanto aos financeiros, o quadro é preocupante, e não apenas no Brasil. A crise
global de 2008 serviu de pretexto para redução de gastos públicos e privados em
cultura em muitos países do primeiro mundo. Há que notar, porém, que antes
disso já era corrente a exigência de projetos e instituições culturais,
sobretudo públicos, justificarem seus custos em termos de resultados mais ou
menos palpáveis para a sociedade. Embora tal tendência tenha enfrentado
resistências do campo artístico contra a eventual instrumentalização das artes em
busca de resultados frequentemente alheios à sua natureza e fora de seu alcance,
penso que os artistas podem enxergar aqui, mais que um indesejado tributo pelo apoio
do Estado, uma oportunidade para demonstrar
resultados possíveis de fato.[4]
A busca por resultados nos leva ao terceiro
desafio, que consiste precisamente em, uma vez definidos os objetivos de
determinada política e garantidos os recursos com que executá-la, tomar a
corajosa decisão de avaliar, da forma permanente e transparente, se esses
objetivos foram atingidos; revê-los, quando necessário; conhecer os públicos a
que se destinam; revisar estratégias para atingi-lo. Políticas sem
monitoramento ou avaliação não são, diga-se, exclusividade do campo cultural.
Ao contrário, especialmente no Brasil, o parecem ser mais regra que exceção, infelizmente,
na gestão pública. E mesmo onde abundam dados e indicadores, não há garantia de
seu uso por quem toma decisões, prevalecendo muitas vezes o palpite, o
propósito pessoal ou eleitoral. A criação, por um número crescente de entes
federados, de planos de cultura, a partir da aprovação do Plano Nacional de
Cultura (Lei 12.343/2010), sinaliza neste sentido uma mudança de paradigma, em
que gestor e sociedade estabelecem de comum acordo metas a cumprir e prazos a respeitar.
Deve-se, contudo, evitar o risco da uniformização, pois sendo a vida cultural
única e diversa em cada rincão, cada governo e cada comunidade terão de encontrar
suas próprias respostas.
E é justamente com a ação conjunta de governos
e comunidades na gestão que finalizo este breve esquema, pois as respostas às
três crises que mencionamos passam necessariamente por uma efetiva participação
social. Primeiro, porque a tarefa de revisar o papel das instituições e
programas culturais à luz das transformações sociais em curso não pode ser
reservada a especialistas, sob pena de repetirmos erros que levaram à
elitização de certas manifestações e equipamentos. Segundo, porque sem um amplo
convencimento da sociedade sobre a importância dos investimentos em cultura, será
ingênuo esperar um aumento desses investimentos, ainda mais em períodos de
recessão. E finalmente, por mais dados que venhamos a produzir sobre a
realidade e os resultados de nossas políticas, a transparência, o
compartilhamento e o debate público dessas informações é que poderão torná-las
úteis, no sentido de promover as mudanças desejadas nessa realidade.
Álvaro Santi, maio de 2016
[1] Para uma
discussão do conceito de cultura, v. Eagleton, T. A Ideia de Cultura. Sobre a redefinição e ampliação do escopo das políticas
culturais em curso, v. Throsby, D. Economics
of Cultural Policy.
[2] Os dados
citados são da pesquisa Usos do tempolivre e práticas culturais dos porto-alegrenses.
[3] Baumol, William Bowen, William, “Performing Arts: The Economic Dilemma”.
Citado em Heilbrun, J. & Gray, C.M. The Economics of Art and Culture. New York ,
Cambridge ,
2001.
[4] Uma visão
panorâmica da argumentação sobre os efeitos das artes na sociedade encontra-se
em Bennett, O. & Belfiore, E. The Social Impact of the Arts: An Intellectual History. Hampshire,
UK, Palgrave Macmillan, 2008.
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