A então Procuradora-Geral em Exercício, Helenita Acioli, que assinou a ADPF 293 (Foto Carlos Humberto/STF) |
Semana passada publicamos aqui um relato sobre a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 183, que visa declara inconstitucionais 17 artigos (e mais 4 parcialmente) da Lei 3857/60, que regulamentou a profissão de músico e criou a Ordem dos Músicos do Brasil.
Na mesma data em que está previsto, pelo Supremo Tribunal Federal, o julgamento dessa Ação, será pautada outra semelhante, a ADPF 293, que questiona a Lei 6533/78, que "dispõe sobre a regulamentação das profissões de Artistas e de técnico em Espetáculos de Diversões", e o Decreto n° 82.385/1978, que regulamentou esta Lei. No pedido, a Procuradoria Geral da República questiona os artigos 7º e 8º da Lei 6.533/78, que reproduzimos:
Art 7º - Para registro do Artista ou do Técnico em Espetáculos de Diversões, é necessário a apresentação de:
I - diploma de curso superior de Diretor de Teatro, Coreógrafo, Professor de Arte Dramática, ou outros cursos semelhantes, reconhecidos na forma da Lei; ou
II - diploma ou certificado correspondentes às habilitações profissionais de 2º Grau de Ator, Contra-regra, Cenotécnico, Sonoplasta, ou outras semelhantes, reconhecidas na forma da Lei; ou
III - atestado de capacitação profissional fornecido pelo Sindicato representativo das categorias profissionais e, subsidiariamente, pela Federação respectiva.
§ 1º - A entidade sindical deverá conceder ou negar o atestado mencionado no item III, no prazo de 3 (três) dias úteis, podendo ser concedido o registro, ainda que provisório, se faltar manifestação da entidade sindical, nesse prazo.
§ 2º - Da decisão da entidade sindical que negar a concessão do atestado mencionado no item III deste artigo, caberá recurso para o Ministério do Trabalho, até 30 (trinta) dias, a contar da ciência.
Art. 8º - O registro de que trata o artigo anterior poderá ser concedido a título provisório, pelo prazo máximo de 1 (um) ano, com dispensa do atestado a que se refere o item III do mesmo artigo, mediante indicação conjunta dos Sindicatos de empregadores e de empregados.
São questionados também os artigos 8 a 15; 16, inc. I e parágrafos 1 e 2; 17 e 18 do Decreto 82.385/78, que detalham a Lei 6.533/78
Segundo a PGR, os dispositivos acima seriam incompatíveis com os seguintes incisos do Artigo 5 da Constituição Federal:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Na fundamentação, que em boa parte repete ipsis litteris a da ADPF 183, mais antiga e que serviu demodelo (chegando mesmo, no parágrafo 23, a referir-se erroneamente aos sindicatos como "órgãos públicos", característica que não compartilham com a Ordem dos Músicos, objeto daquela ação), não se justificam as restrições à liberdade, seja artística, seja profissional, em profissões cujo exercício não implique "perigos à coletividade", tais como a Engenharia, o Direito ou a Medicina.
Tal como no caso da ADPF 183, da qual tratamos anteriormente, se acolhidos seus argumentos pelo STF a ADPF 293 não extinguirá as profissões que regulamentou. No entanto, o registro profissional de artistas e técnicos poderá ser feito diretamente no Ministério do Trabalho pelo interessado, sem necessidade de qualquer formação na área ou comprovação de experiência prévia (a qual atualmente é validada pelos sindicatos da categoria). Os demais dispositivos da Lei, entre eles os que determinam limites à jornada de trabalho ou a necessidade de contrato de trabalho, por exemplo, permanecerão inalterados.
Circulam na Internet manifestos com argumentos contrários à ADPF 293 (em conjunto com a ADPF 183), redigidas por grupos de artistas, com o apoio de entidades sindicais. Você pode encontrá-los aqui ou ali.
Em nota divulgada no site do Ministério da Cultura, o Ministro Sá Leitão "defende o reconhecimento legal das profissões de artista, técnico de espetáculo e músico, fundamental para a consolidação da economia criativa no Brasil", sustentando que a "exigência de registro para o exercício profissional de atividades artísticas é importante não só para garantir a qualidade da produção mas, principalmente, permitir que os profissionais da cultura tenham seus direitos garantidos", e que o "respeito ao exercício profissional da arte não se confunde com a livre manifestação artística, direito previsto na Constituição, que sempre deve ser preservado."
Saiba mais sobre o teor da ADPF 293 e acompanhe seu andamento na página do STF.
[Atualização em 4/5/2018: A Ação foi retirada da pauta da sessão do STF de 26/4, sem previsão de próximo julgamento]
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