Lei Rouanet – 20 anos depois
Artigo do Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC, Henilton Menezes
Neste 23 de dezembro, a Lei Rouanet completa 20 anos. Promulgada pelo então Presidente Collor, foi recebida como única possibilidade de avanço do setor cultural brasileiro, depois do nefasto desmonte de nossas instituições e transformação do ministério em uma secretaria, ligada à Presidência da República. No pior momento da cultura brasileira no Governo Federal, era sancionada uma lei que viria a ser o principal mecanismo de financiamento da cultura brasileira.
Durante muitos anos, e especialmente nos últimos meses, esse mesmo mecanismo tem sido objeto de debate, em especial, na mídia e nas redes sociais. Muitos equívocos estão sendo ditos e escritos, resultado de desconhecimento e de uma visão míope sobre sua finalidade e seu funcionamento. Em muitos casos, veiculam-se dados errados, compõem-se informações sem qualidade, publicam-se críticas negativas, escritas por quem desconhece o mecanismo, com o intuito, parece, de confundir a opinião pública ou de mostrar que a lei é a vilã dos incentivos fiscais no Brasil.
A Lei Rouanet criou o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos suficientes para estimular a produção e difusão de bens culturais, preservar patrimônios materiais e imateriais, proteger o pluralismo da cultura nacional e facilitar o acesso às fontes de cultura. Esses recursos são viabilizados a partir do investimento de pessoas físicas e jurídicas que utilizam um pequeno percentual de seu imposto de renda em ações culturais, previamente aprovados pelo Ministério da Cultura (MinC).
Outras formas de incentivos fiscais são também oferecidas pelo Governo Federal em quase todos os segmentos da economia brasileira. A indústria automobilística, por exemplo, obtém volumosos lucros a partir dos incentivos fiscais destinados à fabricação de automóveis populares. O setor agrícola, muito justamente, também obtém resultados a partir da injeção de recursos públicos, mediante políticas de financiamentos a juros subsidiados ou garantia de preços mínimos. Ambos os casos estão dentro da legalidade. Por que, então, o segmento cultural é visto com tamanho preconceito? Por que a cultura não pode também se valer de incentivos fiscais para buscar seu desenvolvimento? O que existe de ilícito se, como outros setores, geramos renda, criamos emprego, fazemos girar a economia nacional? Ressalte-se que a Lei Rouanet foi discutida, votada e aprovada no parlamento brasileiro, e continua em pleno vigor.
Apesar de ser pequeno o volume de recursos de incentivos fiscais destinados à cultura – cerca de 1,5% de todo o incentivo fiscal federal – ao contrário do que se comenta, o Governo tem avançado muito na destinação desses valores para o setor. Em 2003, foi direcionado à renúncia fiscal para a cultura o valor de R$ 135 milhões. Em 2011, esse valor chegou a R$ 1,35 bilhão, um aumento de 1.000% em oito anos. Nesse período (2003-2011), foram alocados 5,9 bilhões para a Lei Rouanet.
Somente em 2010, foi captado R$ 1,160 bilhão. Isso atendeu apenas 24,61% de toda a demanda brasileira por esses incentivos, que atingiu o montante de R$ 4,71 bilhão. Nesse mesmo ano, o MinC recebeu 10.256 propostas de ações em busca de recursos, vindas de todos os estados brasileiros.
O Pronac é o mais transparente mecanismo de incentivos fiscais do Brasil. Todos os projetos incentivados estão publicados na internet, com nomes dos beneficiários, valores aprovados e captados e situação de cada um deles, inclusive da prestação de contas. O processo de análise das propostas, realizado em várias instâncias, desde o crivo de peritos terceirizados, profissionais da sociedade civil que atuam no mercado, é transparente e público. As sessões plenárias da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que acontecem nas cinco regiões brasileiras, são transmitidas ao vivo, pela internet, podendo ser acompanhadas por qualquer um, em qualquer lugar. Todos os processos estão detalhados no site do MinC e podem ser acessados, inclusive fisicamente, por qualquer cidadão brasileiro.
A importância desse mecanismo para o Brasil é visível e inquestionável. Vinte anos depois, o cenário cultural brasileiro é outro. E foi com o auxílio dos recursos oriundos dessa lei que milhares de ações culturais se realizaram, se mantiveram e prosperaram.
São resultados da Lei Rouanet, dentre outros:
– A manutenção de instituições culturais, como o Centro Cultural Banco do Brasil; Museu de Arte de São Paulo; Museu de Arte Moderna; Fundação Iberê Camargo; Museu Oscar Niemeyer; Instituto Cultural Itaú; Museu Asas de um Sonho; Academia Brasileira de Letras; Museu do Futebol e Museu da Língua Portuguesa;
– A publicação de revistas culturais como Bravo, Cult, Continente Multicultural, Aplauso e Revista de História;
– As intervenções de preservação de bens materiais edificados, como o Theatro Municipal e Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro; o Teatro São Pedro, em Porto Alegre; o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí;
– Eventos tradicionais na área de audiovisual, responsáveis pela movimentação turística de dezenas de cidades brasileiras, como o Cine PE, em Recife; o Festival Guarnicê de Cinema, em São Luís; o Festival de Gramado; o Cine Ceará, em Fortaleza; o Festival de Cinema de São Paulo; o Festival de Cinema de Brasília do Cinema Brasileiro;
– Eventos literários de indiscutível repercussão nos lugares onde se realizam, como a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip); a Feira do Livro de Porto Alegre; a Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas (Fliporto); a Bienal Internacional do Livro de São Paulo;
– Importantes eventos de artes visuais, como Bienal de São Paulo e Bienal do Mercosul, em Porto Alegre;
– A manutenção de escolas de formação continuada: o Clube do Choro de Brasília, a maior escola de choro brasileira; a escola de Dança e Integração Social para a Criança e o Adolescente (Edisca), no Ceará, que inclui jovens em situação de risco pela via da dança; o Instituto Baccarelli, escola de música encravada em Heliópolis, a mais populosa favela de São Paulo; o Instituto Olga Kos, projeto que inclui crianças e adolescentes com Síndrome de Down, por meio das artes visuais; o Projeto Música para Todos, escola de música em Teresina, que forma anualmente centenas de profissionais;
– A formação e manutenção de importantes orquestras, como a Osesp, a Osba, a Orquestra Sinfônica de Teresina; a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais;
– Quase todo o movimento teatral das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, com montagem e circulação de grandes produções, incluindo musicais de indiscutível qualidade, recebem o apoio da Lei Rouanet;
– Ações de preservação do patrimônio imaterial, como as festas juninas do Nordeste; o Festival de Parintins, no Amazonas; o Festival de Circo do Brasil, realizado em Pernambuco;
– A promoção de editais públicos dos grandes patrocinadores como Petrobrás, Eletrobrás, Natura, BR Distribuidora, esse último realizando a inédita circulação de grandes espetáculos de teatro pelas 27 unidades da federação;
– A manutenção de grupos de arte, com trabalhos reconhecidos, como o Teatro Oficina; o Grupo Galpão; o Grupo Corpo; a Cia Quasar de Dança; Cia. de Dança Deborah Colker;
– E, por que não, a promoção de grandes eventos nacionais, como o Rock In Rio; o BMW Jazz Festival;o Festival Jazz & Blues do Ceará; a Mostra Internacional de Música de Olinda (Mimo); o Encontro Cariri de Arte e Cultura, no Ceará; a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, em Pernambuco; o Festival de Teatro de Curitiba; Carnavais do Rio de Janeiro, de Pernambuco e da Bahia, ações geradoras de emprego e renda, que movimentam a economia brasileira de uma forma ainda não medida com a precisão que realce a sua importância no nosso país.
É claro que a Lei Rouanet pretendia ser, na época do desmonte das nossas instituições, a panaceia da cultura brasileira. Não foi. Hoje, é necessário e imprescindível que se pense em outras formas de financiamento.
Com esse foco, foi criada a Secretaria da Economia Criativa, uma iniciativa da atual gestão do MinC, que vem ao encontro dessa busca por novos caminhos, ao ampliar as possibilidades de desenvolvimento sustentável da cultura brasileira, de forma complementar ao mecanismo existente.
A Lei está em vigor e, por isso, o MinC tem buscado melhorias em seu funcionamento, ao simplificar processos, consolidar normativos, automatizar procedimentos, qualificar profissionais que operam o programa, aperfeiçoar as funções da CNIC e implantar melhorias na metodologia de acompanhamento e avaliação de projetos. Tudo isso feito com diálogo intenso com as classes artísticas, produtores culturais e investidores.
Decerto, a um mecanismo que tem 20 anos, faz-se necessária e oportuna sua revisão e atualização. O conceito de cultura brasileira é hoje muito mais amplo do que a Lei Rouanet alcançou em 1991. Por isso também o MinC encaminhou um Projeto de Lei (PL), uma proposta de mudança da legislação.
Esse PL é hoje amplamente discutido com a sociedade, a partir de provocações do parlamento brasileiro, em iniciativas democráticas e republicanas. Precisamos melhorar esse mecanismo, enfrentando, definitivamente, os problemas ainda existentes e avançando na melhor distribuição territorial dos recursos, na possibilidade de acesso igual por todos os segmentos e no fortalecimento do Fundo Nacional da Cultura, recursos que devem permitir que o MinC financie ações e setores invisíveis aos investidores que se utilizam do incentivo fiscal.
Depois de 20 anos, a cultura brasileira deve muito à Lei Rouanet. Por isso mesmo, enquanto não temos outro mecanismo, mais justo e mais contemporâneo, temos todos a obrigação de aperfeiçoá- la, por meio da melhoria de sua gestão e da qualificação do debate em torno do tema.
Henilton Menezes
Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC
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