Olivier Donnat e as pesquisas sobre práticas culturais na França (Encontro Públicos da Cultura, 2)

Uma das principais atrações do seminário foi a intervenção do francês Olivier Donnat,intitulada O conhecimento de práticas culturais: medir, avaliar, qualificar. Sociólogo do Départament des études de la prospective et des statistiques (DEPS) do Ministério da Cultura e Comunicação da França, Donnat é Doutor em Economia e autor de diversas obras no campo da Sociologia da Cultura, entre as quais Les pratiques culturelles des Français à l’ère numérique.

Alertando para um certo “presentismo” característico do consumo cultural (e também das pesquisas) na era da comunicação instantânea, em que nos sentimos inclinados a receber qualquer informação como novidade absoluta, Donnat propõe-se a recuperar um percurso de quase meio século, a partir da realização das primeiras pesquisas sobre práticas culturais na França, ainda nos anos 1960, idealizadas como ferramentas para compreender os hábitos culturais dos cidadãos, objeto das políticas do então recém criado Ministério de Assuntos Culturais.
O Estado Francês do bem estar no pós-guerra, centralizado, preocupava-se com as diversas questões sociais, buscando descentralizar a gestão dos recursos e incluindo a cultura com o objetivo de democratizá-la, tornando acessíveis ao maior número de franceses as obras capitais da França e da humanidade. Em vista disso, era necessário saber quem eram as pessoas as quais se dirigia essa política.
A primeira pesquisa, foi a de Pierre Bourdieu, realizada em 1963, com o objetivo de responder à pergunta "qual política precisamos implantar?" (Ver o livro O amor à arte: os museus de arte na Europa e seu público, escrito com Alain Darbel) Partia-se de uma perspectiva positivista, visando obter uma fotografia factual das ações e práticas dos franceses. Não se perguntava o que eles pensavam, mas o que haviam feito nos últimos 12 meses. Constatava-se uma defasagem entre o que o entrevistado declarava e o que realmente havia feito.
Os focos principais de interesse dos pesquisadores, naquele início, dividiam-se entre a sociologia da cultura clássica (“alta” cultura), seus bens culturais e lugares por excelência (teatros, museus, bibliotecas); mas também as práticas de lazer, assunto que passava a interessar à medida que se constatava um aumento do tempo livre dos trabalhadores dos países industrializados; e a sociologia dos meios de comunicação, cujo poder de alcançar multidões não cessava de crescer, sucedendo a TV ao rádio como protagonista naquele momento.
As primeiras interpretações davam conta de uma cultura repartida de modo desigual, justificando a necessidade de recursos para sua democratização. Formou-se desde então uma aliança entre os pesquisadores que produziam esses dados e os militantes da democratização, sobretudo no campo da educação popular, alavancando a demanda por esses recursos.
Tal quadro altera-se a partir dos anos 1980, quando o orçamento da cultura é duplicado pelo governo socialista. Acentuam-se desde então as complexidades, de que os estudos nunca terminam de dar conta: o advento dos computadores; a legitimação de novas expressões artísticas (rock, jazz, HQ, moda) e mesmo da indústria cultural (introduzindo a necessidade de pensar o viés econômico); e ainda a fragmentação do “público” em “públicos” (os jovens, os idosos, os deficientes, as mulheres, etc.) demandando diferentes propósitos para a política cultural, onde antes parecia suficiente o de “democratizar”.
Neste momento, causa forte impacto o lançamento da obra do pensador liberal Alain Finkielkraut, A derrota do pensamento (traduzido no Brasil pela Paz e Terra, 1988) que criticava, no contexto global do neoliberalismo, a democratização, ou horizontalização do conceito de cultura como uma capitulação à barbárie, pelo apagamento ou negação das referências da “alta” cultura. Neste momento, parece desfazer-se a aliança existente, quando parte dos militantes da democratização encontram nas pesquisas as provas do fracasso das políticas culturais, que após vinte anos não haviam alterado significativamente as condições de acesso da maioria da população.
Passados outros 20 anos, de certa forma temos uma situação que justifica as pesquisas, uma vez que o rápido avanço das tecnologias de informação e comunicação transforma velozmente nossos hábitos, de modos que ainda não chegamos a compreender. No novo contexto, destacam-se três características: o Estado é mais modesto em suas pretensões, repensando continuamente o seu papel no novo capitalismo global; surge e ganha força a idéia de diversidade cultural, que atribui a mesma dignidade às diversas formas de expressão, em oposição à democratização, cujo sentido fundava-se na dicotomia alta-baixa cultura; e o foco do pensamento sociológico migra das classes para os indivíduos, tidos como mais livre ou independentes em suas ações e decisões.
É neste contexto que foi realizada a última pesquisa francesa (2008), que parece nos situar no limiar entre dois tempos, entre dois séculos: o pré-digital e o digital. Aumentam as dificuldades de delimitar certas categorias, como ver televisão (No aparelho de TV? Na internet? No celular?). Identificam-se algumas tendências: a popularização da "cultura de tela": quase todos os conteúdos são acessados por meio de alguma tela, mesmo nos “lugares da cultura” tradicionais; um recuo da leitura de livros e impressos, especialmente entre jovens do sexo masculino; um aumento da frequentação que não implica uma real democratização, porque decorre mais do aumento da oferta de cultura e de formação educativa.
Apesar de tudo, algumas constatações dos anos 1960 permanecem curiosamente atuais, entre elas a de que o diploma escolar mantém-se como o fator que explica com mais consistência o nível geral de participação cultural; permanece grande a defasagem entre o consumo dos parisienses e dos demais franceses.
Há porém avanços, com a evolução dinâmica ligada às mudanças generacionais, entre elas um aumento considerável no consumo de música e da produção de espetáculos, um aumento das práticas artísticas amadoras e a perda de importância da televisão.
Para finalizar, Donnat sugere três objetivos fundamentais para as pesquisas de público:
  1. MEDIR: “A recusa de contar raramente está a serviço dos pobres.” Não deixar os números sob o domínio exclusivo dos economistas.
  2. AVALIAR: A existência de oferta de produtos culturais não “revela” magicamente a demanda, é preciso mapear esta, formar o público.
  3. COMPREENDER: O consumo não implica automaticamente a compreensão. É preciso estudar como acontece a interação entre a obra e seu público.

Encontro internacional públicos da cultura (abertura)


Mais uma vez, saímos de Porto Alegre ao encontro dos debates de ponta no campo das políticas de cultura, que ocorrem no Brasil e no mundo.Desta vez, é o Encontro internacional públicos da cultura, realizado pelo Centro de Pesquisa e Formação do SESC de São Paulo, de 12 a 14 de novembro, no SESC Vila Mariana. (Em novembro de 2011, já estivemos aqui para o Seminário Internacional Cultura e Transformação,  Urbana, cujo conteúdo está em parte acessível, no site do SESC-SP.) 
Na abertura, o Diretor regional do SESC-SP, Danilo Santos de Miranda, admitiu que mesmo uma instituição como a que dirige, realizando cotidianamente um grande volume de atividades em suas 33 unidades, não pode se dar por satisfeita se faltar a reflexão sobre o sentido e a razão dessas atividades. Daí a importância das pesquisas, cujos resultados permitam traçar caminhos para que as políticas de cultura possam ir ao encontro desses públicos.
A evolução daquilo que denominamos “públicos” da cultura acompanha a evolução do sentido de “cultura”, tendo de dar conta hoje também das questões da diversidade, da acessibilidade, do direito de participação, como indicadores de uma democracia cultural efetiva. Deve-se levar em conta ainda a imprecisão e a mobilidade dos limites entre produtores e consumidores de cultura, com o incremento do uso das tecnologias digitais que popularizaram o uso de fotos e filmes, por exemplo; ou a "composição" de música eletrônica.
Leia aqui o programa do evento e acompanhe, nas próximas postagens deste blog, um resumo das principais palestras que assistimos.

Estudo do Observatório vai subsidiar discussão sobre mudanças no Conselho Municipal de Cultura

Em reunião do Conselho Municipal de Cultura na noite de ontem, o Secretário Roque Jacoby anunciou o propósito de colocar em discussão a reformulação do Conselho Municipal de Cultura.
Criado em 1997, através da Lei Complementar 399, o CMC vem tendo dificuldades para a obtenção do quorum mínimo (metade dos conselheiros), devido ao grande número de integrantes e a inexistência de remuneração dos conselheiros (ao contrário do que ocorre no Conselho Estadual de Cultura, por exemplo.

Para subsidiar a discussão, que deve ser iniciada por meio de um Grupo de Trabalho, o Observatório comparou alguns dados sobre o nosso CMC em relação aos conselhos de cultura de outras capitais e aos  demais conselhos municipais de Porto Alegre.
O resultado é o documento abaixo, em que se destacam, comparativamente, o grande número de membros (37 no total); a desproporcionalidade entre representantes da sociedade civil (86,5%) e do governo; e um desequilíbrio na representação das regiões do Orçamento Participativo (17 dos 37 membros).

Leia abaixo o artigo resultante dessa pesquisa, apresentada no II Encontro Brasileiro de Pesquisa em Cultura (EBPC), em 2014.



Saiba mais:

Legislação referente ao CMC de Porto Alegre
Leituras complementares sobre conselhos de cultura.

Observatório desenvolverá novos indicadores para a SMC em 2014

Portal de Gestão da Prefeitura
Em reunião realizada na última terça-feira, com a presença do Secretário Roque Jacoby e Secretário Adjunto Vinícius Cáurio, e da Gerente do Programa Porto da Inclusão Carla Guerreiro, os líderes das ações da SMC pactuaram um conjunto de indicadores e metas para o próximo Plano Plurianual (2014-2017).
Vinculados ao Portal de Gestão da Prefeitura, os indicadores servem para verificar o grau de sucesso das ações, em relação aos objetivos e metas estabelecidos, e desde a implantação do Novo Modelo de Gestão, em 2005, limitam-se à quantidade de eventos realizados, público ou recursos investidos.

As mudanças incluem três novos indicadores que, em conjunto, permitirão uma melhor avaliação das ações da Cultura:
  • % de ocupação das salas em espetáculos de produção própria. A proposta deste indicador partiu de um levantamento prévio, feito pela Coordenação de Artes Cênicas, que apontou uma taxa de lotação média abaixo de 40% nas três salas de teatro municipais. Parte do pressuposto que, ao aumentarmos essa taxa, alcançamos um público maior, mantendo-se o mesmo custo fixo de manutenção dos espaços, ou seja, otimizando o uso dos recursos públicos.
  • Satisfação de público. No caso dos espaços administrados pelo Município, entrevistas com usuários sobre a programação, segurança, limpeza, atendimento, entre outros aspectos, permitirão planejar ações para qualificar estes espaços e em consequência elevar o nível de satisfação.
  • % de "novos" usuários, isto é, pessoas que nunca ou raramente frequentaram nossos espaços ou eventos culturais. Este indicador chama a atenção para o fato de que a maioria da população brasileira não frequenta espaços ou atividades culturais, população cuja inclusão é prioritária para o poder público, a partir da compreensão da cultura como um direito. Saiba mais sobre os dados da exclusão cultural no Brasil no site do MinC (apresentação de slides)
Para os dois últimos, o Observatório da Cultura está encarregado de elaborar a metodologia para a coleta de dados, envolvendo entrevistas com uma amostra do público, em determinados eventos ou espaços, ao longo do ano.
Saiba mais sobre indicadores culturais em nossa postagem anterior.

Projeto de Lei que regulamenta profissão de Produtor Cultural

O projeto de lei 5575/2013 que regulamenta a profissão de produtor cultural deve ir ao plenário da Câmara dos Deputados nos próximos dias, segundo previsão do relator da matéria na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), deputado Ronaldo Nogueira (PTB/RS). O PL foi apresentado pelo deputado Giovani Cherini (PDT/RS), em maio deste ano, e tramita em regime ordinário.
Depois de passar pela Comissão de Constituição e Justiça e pelo plenário, estima-se que deva ser apreciado pelo Plenário do Senado entre abril e maio de 2014.

Veja abaixo o texto do projeto.