Em maio deste ano, realizou-se em Melbourne (Austrália), a conferência Making Culture Count - cuja tradução "Fazendo a cultura contar" mantém os dois sentidos do verbo "contar": "ser considerada", isto é, "ter valor"; e "enumerar" ou "medir"). Com o subtítulo "Repensando medidas de vitalidade cultural, bem-estar e cidadania", a conferência concluiu com uma declaração, a ser enviada ao 4 º Fórum Mundial da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre Estatísticas, Conhecimento e Política, realizado em outubro passado, em Nova Delhi (Índia).
Julgamos oportuno oferecer aqui uma tradução deste documento, por seu alinhamento aos objetivos do Observatório da Cultura, ao estimular o debate sobre a importância da cultura para o desenvolvimento, e de ferramentas adequadas para avaliar objetivamente as relações entre ambos.
Sobre a necessidade de inclusão de INDICADORES CULTURAIS na medição do progresso e bem-estar das sociedades
Preâmbulo
1. Apesar de estar em curso um movimento global para redefinir o progresso para além do PIB, a fim de incluir todos os domínios-chave do progresso humano e do bem-estar, o domínio da cultura ainda não foi aí adequadamente incluído. A cultura é aspecto vital do bem-estar humano, pois contribui com os sistemas de valores, tradições e crenças em que vidas se constróem com significado. Esta Declaração vem afirmar a necessidade de fortalecer o foco em indicadores culturais como parte dos indicadores de progresso social.
Princípios
2. Da Cultura.
Esta Declaração é informada por diversas iniciativas que reconhecem a cultura como um aspecto vital de progresso e bem-estar. Incluem a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural (2002) e a Convenção da UNESCO sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade Cultural (2005); a Agenda 21 da Cultura (2004), de Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) e os esforços recentes de outras entidades durante a Rio+20, os quais reconhecem a cultura no contexto do desenvolvimento sustentável. Nós compartilhamos a compreensão de cultura da UNESCO como "o conjunto de distintivos aspectos materiais, espirituais, intelectuais e emocionais da sociedade ou de um crupo social, que engloba, além de arte e literatura, estilos de vida, formas de convívio, sistemas de valores, tradições e crenças ".
3. Sobre o monitoramento
Esta Declaração é informada por muitos desenvolvimentos internacionais de sistemas de medição para a cultura, incluindo os Indicadores para o Desenvolvimento Sustentável e os Indicadores em Cultura para Desenvolvimento da UNESCO, (em espanhol) bem como o Projeto para o Dimensionamento Internacional da Cultura da OCDE (2007 - em inglês). Na Austrália, o Grupo de Trabalho sobre Estatísticas do Ministério da Cultura lidera um movimento para a inclusão da dimensão cultural nas medições do progresso do país pelo Departamento Australiano de Estatísticas. O Índice de Desenvolvimento Nacional (ANDI) da Austrália inclui medidas da cultura como aspectos vitais para o desenvolvimento.
Práticas de avaliação são um elemento crítico da democracia, permitindo que governos, empresas, comunidades e cidadãos compartilhem uma compreensão a respeito de onde estão, por onde tem andado e a que rumo se dirigem. Acompanhar o progresso em relação a nossas metas permite tornar mais visíveis os impactos sobre a cultura e da cultura em todas as políticas e práticas na esfera pública. Isto inclui a coleta de dados relevantes e confiáveis ao longo do tempo.
Questões
4. A Cultura é central para que os seres humanos atribuam sentido a suas vidas e convivam em harmonia em seu ambiente. Torna-se cada vez mais evidente, em consequência, a inadequação das políticas e sistemas de avaliação que não incluem as múltiplas dimensões que afetam seres humanos e seu meio ambiente. Para o progresso e o bem-estar humano, e a sobrevivência de nosso planeta e tudo o que nele vive a longo prazo, as dimensões das políticas e monitoramentos precisam incluir o cultural, juntamente com o econômico, o social e o ambiental.
5. Estas avaliações precisam lidar com a diversidade da(s) cultura(s) e devem considerar as muitas abordagens existentes para a compreensão de valores. Devem incluir um compromisso de auto-determinação local e trabalhar a partir de consensos comunitários para a definição daquilo que tem valor e, portanto, do que é preciso medir.
6. Ainda não há medidas de progresso adotadas internacionalmente que explicitamente digam respeito à dimensão cultural do progresso humano, e isso dificulta os esforços para incluir a dimensão cultural no entendimento de bem-estar e progresso. Alguns desafios nesse sentido incluem: a falta de cooperação internacional; a falta de sistemas de dados confiáveis e comparáveis; a falta de vontade política, infra-estrutura, ou capacidade de coletar dados por muitos países.
Chamada à ação
7. Apelamos à OCDE para que reconheça a cultura como dimensão vital do progresso e bem-estar humanos, que impacta e é impactada por todas as demais áreas de políticas públicas. Dessa forma, solicitamos a inclusão de indicadores adequados de cultura em todos os índices de progresso e bem-estar.
8. Estas medidas podem ter a forma de um índice de bem-estar cultural, que aborde os principais meios pelos quais a cultura contribui para o progresso da sociedade e o bem-estar. Pode incluir, mas não estar limitado a, domínios tais como os listados no anexo à presente Declaração.
9. Não há, até o momento, consenso sobre as abordagens para a inclusão da cultura como parte dos indicadores do progresso social. Mais trabalho conceitual nesta área é necessário, portanto. Nós estimulamos a discussão sobre o tema de indicadores culturais a partir de contribuições anteriores, juntamente com perspectivas de governo, comunidade empresarial e universidades.
10. Para isso, convidamos a OCDE a assumir a liderança entre esses interesses, através do apoio a uma conferência sobre o papel da cultura na avaliação do bem-estar do desenvolvimento.
Fonte: site da Conferência Making Culture Count.
"Não se pode conceber a possibilidade de administrar um país sem dados estatísticos, pois que, sem eles, tudo é feito arbitrariamente, sem fundamento, sem critério e com grave prejuízo para o povo, que é a vítima dos atos levianos dos que governam sem doutrina e dos que administram por vagas inspirações, sem dados positivos em relação aos diversos ramos do serviço público" [Júlio de Castilhos, 1889]
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