Dois dedos, dois neurônios: as práticas culturais dos jovens franceses, por Sylvie Octubre (Encontro Públicos da Cultura, 6)


A programação do Encontro Públicos da Cultura seguiu com a palestra de Sylvie Octubre. Socióloga, Sylvie atua no Departamento de Estudos, Pesquisa e Estatística (DEPS) do Ministério da Cultura e Comunicação da França (assim como seu colega Olivier Donnat cuja conferência da véspera resumimos nesta postagem). Ela concentra suas pesquisas recentes nas práticas culturais dos jovens entre 15e 29 anos, e em especial como essas práticas se relacionam com as profundas e rápidas transformações sociais dos últimos anos, devidas às novas tecnologias de comunicação, mudanças na estrutura familiar, no mercado de trabalho e sistema educacional, entre outros fatores. 

Embora as tendências mais visíveis do individualismo e do afrouxamento dos laços familiares, e o estímulo à autonomia visado pelo sistema educacional, os jovens estão permanecendo mais tempo em casa, sob a dependência (parcial ao menos) dos pais ou eventualmente do Estado, através do seguro-desemprego. (Os dados divulgados pelo IBGE recentemente demonstram essa mesma tendência no Brasil, ver por exemplo http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=140597)

Outras características marcantes nessa geração são um forte desejo de experimentação mobilidade e participação; as práticas artísticas amadoras; a voracidade do consumo cultural que se combina com a fragmentação e infidelidade do gosto, devido à extrema diversidade da oferta. Em paralelo à formação de grandes conglomerados globais, determinados produtos da indústria cultural transitam entre os diversos campos, apagando fronteiras antes nítidas: jogos viram livro, que viram filmes, que viram brinquedos, que viram roupas, etc. A sociabilidade fora de casa (saídas noturnas, viagens) não foi seriamente afetada pela cultura digital, pois segue havendo intensa frequentação de espaços culturais (ainda que nem todos). 

A propalada perda da atração dos jovens pelo livro, Sylvie ressalta, é anterior à era digital, embora tenha se acentuado através dela. Ao responder a enquetes, os jovens declaram ler clássicos quando estão na escola, e de repente param de ler, logo que saem dela. Há uma tendência do gosto médio a priorizar o entretenimento e a diversão, ainda que muitos filmes com contextos históricos tenham feito sucesso. Há uma tendência ao maior cosmopolitismo cultural na França, com o aumento de consumo de produtos em idiomas estrangeiros (séries de TV, filmes, histórias em quadrinhos), especialmente o inglês e o árabe, coloca em jogo as políticas culturais tradicionais, muito centradas na francofonia.

Mudanças ocorrem também com a representação do lugar e tempo do evento cultural e da experiência estética, antes situados firmemente nos espaços sacralizados do teatro, da sala de concertos, da biblioteca, do museu. Hoje o consumo fragmenta-se, pode ocorrer em qualquer lugar, a qualquer momento, e frequentemente com a mediação de uma tela. Há um enfraquecimento da autoridade tradicional, "certificadora" do valor cultural, daquela pessoa, instituição ou outra fonte que costumávamos consultar para saber o que era preciso ler, ouvir ou assistir. Mudanças semelhantes às que vem sofrendo a posição dos professores em sala de aula. Essa pessoa ou instituição, que antes monopolizava a informação, agora tem de conformar-se ao papel de mediador, já que a informação encontra-se disponível para qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar. Precisa porém desenvolver essa nova competência, que consiste em auxiliar a hierarquizar e filtrar a informação, cujo volume chega a ser aterrorizante. Assim como informação não se confunde com cultura, também o desenvolvimento de novas competências pelos jovens, associadas às tecnologias digitais, não produz por si só um saber reflexivo.

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