Pensar os públicos na América Latina, por Ana Rosas Mantecón (Encontro Públicos da Cultura, 3)

A segunda palestrante, no primeiro dia do Encontro, foi Ana Rosas Mantecón, pesquisadora e professora do Depto. de Antropologia da Universidad Autónoma Metropolitana do México em Iztapalapa.

De saída, reconheceu ser arriscado o propósito de falar de "públicos latino-americanos", porém apesar da diversidade dos contextos nacionais, acredita que é possível e necessário repensarmos alguns paradigmas comuns a nossas políticas culturais.

Prefere o termo "práticas culturais", em vez de "consumo", pois trata-se de atos que compõem a maneira de compreender e interagir com o mundo, e não atos passivos. Como quaisquer práticas sociais, vinculam-se fortemente às desigualdades, por isso a compreensão daquelas ajuda a compreender estas desigualdades, seja entre cidadãos, seja entre países.

Ao esboçar um panorama histórico, desde os anos 1920, percebe-se um ciclo de crescente projeção mundial das produções culturais latino-americanas (na literatura, artes plásticas e música, entre outras áreas), o qual se encerra nos anos 1970. Neste período criaram-se importantes editoras, importantes para a ampliação do mercado letrado; bem como produtoras de cinema (principalmente no México, Brasil e Argentina)

A partir dos anos 1980, sob a onda neoliberal-globalizante, muitas dessas empresas desapareceram. Salas de cinema fecharam, tendo como resultado uma redução da participação da América Latina nas exportações de bens culturais para para 2,2% (Unctad, 2008), quando a China já atinge os 20%. No item artesanato, a China já exporta 33% do volume total, contra 2% da AL.

Internamente, ou seja, entre os países da AL, a situação não é mais animadora, pois a produção concentra-se em poucos países (e empresas): 90% vem de México, Brasil ou Argentina. Ao mesmo tempo, 93% das salas de cinema são controladas por empresas dos EUA.

Na TV, em muitos países a população não enxerga através dela sua diversidade cultural.  Mesmo em países com importante produção televisiva, a TV paga tem alta dependência da produção estadunidense. No México, 3/4 da programação exibida em TV fechada é produzida nos EUA (contra apenas 1/3 na TV aberta).

Já os índices de exclusão cultural são altíssimos na AL, conforme as pesquisas existentes. Uma grande parcela da população não leu livros nos últimos doze meses: no México são 68%, no Chile 58%, na Colômbia 47%, na Argentina 43%. 24% da população mexicana o e 22% da colombiana não tem nenhum livro em casa.

No campo musical, há avanços. O continente tem uma produção intensa, logrando certo protagonismo nos últimos tempos, por força das novas tecnologias que permitem transpor fronteiras com rapidez, apesar dos oligopólios globais que dominam o mercado formal. (Quatro conglomerados controlam 80% de um mercado em que a América Latina representa apenas 2,5%.) Em compensação, 43% da população da AL já tem acesso a internet e 70% usam telefone celular. As novas tecnologias potencializaram um mercado cultural de baixo custo, acessível às populações menos favorecidas. (Cabe refletir contudo, penso eu, se esse mercado gera renda e pode ser sustentável)

As políticas culturais na AL tem se endereçado tradicionalmente aos artistas e ao fortalecimento da oferta de produtos culturais, mais do que ao público. Pouco estudamos os processos de longo prazo em que esses públicos são formados, preferindo assumir a crença de que o contato do público com a obra produz automaticamente a revelação da arte. No entanto, públicos não se formam por magia, e são muitas as barreiras que impedem um acesso universal à cultura. Uma delas é a idade, barreira que atua especialmente contra a participação na cultura digital, de importância crescente no conjunto da produção. Os jovens entre 15 e 22 anos são os principais consumidores de produtos culturais, crescidos em um ambiente muito mais comunicativo e amplo que as gerações anteriores. Outras barreiras são os custos de ingressos e de transporte; as distâncias geográficas...

O acesso real e efetivo, com pleno gozo estético, implica processos prévios de alfabetização,  nas múltiplas linguagens. Para isso, é fundamental conhecer melhor os públicos, através de pesquisas, repetidas ao longo do tempo. São necessárias políticas culturais que visem aumentar a participação da economia criativa no conjunto das economias locais e nacionais; políticas educacionais e informacionais que visem à alfabetização em TIC e produção  audiovisual, a universalização da banda e a promoção da diversidade cultural. Tudo isso sem deixar de apoiar iniciativas solidárias, participativas, em rede...

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