Professor de Sociologia na Universidade do Chile, Pedro Güell apresentou um contraponto crítico ao bordão quase unânime (apoiado por este blog) que reclama da ausência crônica de dados e sustenta a necessidade de pesquisas na área cultural. Fazendo as vezes de advogado do diabo, ele argumenta que houve um grande incremento na produção de informações sobre o setor, ao longo dos últimos trinta anos, embora em geral restritas ao consumo de produtos e frequência a eventos, com atenção à estratificação sócio-demográfica dos públicos (segundo classe, idade, renda, etc.). Esses números, porém - adverte - pouco nos ajudam a descrever as experiências do visitante/consumidor em contato com a obra de arte, o efeito ou marca que tal experiência possa eventualmente ter deixado nele e que fará ou não diferença em sua existência futura. O valor intrínseco dessa experiência, que justificaria em última análise os esforços da política cultural pela ampliação do acesso às artes, parece não suscitar dúvidas, fechando-se o campo cultural sobre si mesmo, de forma autônoma.
Güell aponta dois grandes desafios para as pesquisas, no contexto da América Latina: reconstruir a forma como as audiências interagem com a arte e estudar as consequências dessa interação. Ele propõe uma classificação dos estudos de públicos em três categorias, conforma suas principais perguntas:
1. Quem é o público? Quem consome, frequenta ou tem acesso, ou não, e por quê? Desde sempre, este tipo de pesquisa vem demonstrando conexão entre escolaridade, renda e consumo cultural. O interesse que as move é justificar as políticas que visam democratizar o acesso. Tem-se aqui como premissa que o acesso é um bem (valor) em si, uma experiência civilizante, mas em geral não se ousa interrogar sobre a intensidade, a compreensão ou os efeitos subjetivos dessa experiência.
2. Que motivações tem o público? Aqui o sujeito tem um rol pouco mais ativo. Pesquisam-se as formas de uso, as abordagens, os modos de interpretar obras e espaços culturais. Por exemplo, num contexto em que a demanda não cresce ou cresce pouco, apesar dos esforços das instituições - que além disso competem entre si, necessitando precisam atrair e motivar os seus clientes - pode-se inferir mudanças no perfil dos públicos.
3. Que relações existem entre o consumo e a construção da identidades? Aqui, coloca-se o valor na experiência, por excelência individual, dos sujeitos frente à obra de arte. Considera-se que não há públicos (grupos) constituídos a priori, e sim que eles são formados através da experiência, de maneira decisiva.
Não se trata, esclarece, de desprezar as pesquisas tais como são feitas hoje, e sim buscar novas maneiras de integrar e interpretar as informações existentes, à luz de lógicas distintas. Entre os principais problemas que a seu ver podem fragilizar os resultados de estudos de público e comprometer seus resultados, ele aponta:
- A-historicidade: São raros os estudos que procuram relacionar a história da arte com a dos públicos ou mesmo das instituições culturais (e econômicas). As consequências da experiência estética não são consideradas em longo prazo.
- Coletivos ativos, indivíduos passivos. Embora a experiência estética seja por excelência individual, os indivíduos desaparecem dentro de seus grupos de idade, sexo, renda ou escolaridade. Só o artista reivindica o direito a ser considerado um indivíduo criativo e autônomo. [Essa crítica foi formulada por Bernard Lahire, em A cultura dos indivíduos.]
- Exterioridade de públicos, instituições e obras, componentes de um mesmo sistema que são considerados de forma isolada. As lógicas do sujeito, das instituições e dos bens culturais são determinantes das práticas culturais (ver diagrama na foto).
Em suma, os diversos fatores que influem sobre as práticas sociais são interdependentes. A experiência estética depende de uma convergência desses fatores, difíceis de serem isolados, podendo surgir efeitos inesperados e não intencionais. Além disso, os próprios conceitos de arte e patrimônio cultural vêm sendo questionados desde o século passado, assim como a subjetividade dos indivíduos. Para Güell, deve-se estudar as interações da subjetividade, em constante formação, com a prática cultural, no espaço concreto das instituições culturais. Sendo que neste caso, “prática" inclui as diversas condições materiais em que atuam os diversos atores e suas consequências, em contínua redefinição.
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