Ainda no primeiro dia do Encontro Internacional Públicos da Cultura, ouvimos o depoimento de Anne Krebs, encarregada do Departamento de Estudos e Pesquisa do Museu do Louvre, em Paris. Anne nos propõe uma reflexão sobre a relação entre museus e seus públicos, e também sobre valores, aquilo que atrai as pessoas aos museus (ou outros espaços culturais).
Uma das grandes dificuldades dos gestores de museus relaciona-se à escassez de estudos de público. Numa instituição como o Louvre, por exemplo, parte dos visitantes chega como por acaso, sem maior interesse ou informação, simplesmente acompanhando amigos ou familiares. Ao nos dizer por que não se interessam pelo museu ou, de forma mais ampla, pelos valores da cultura erudita, esses visitantes podem fornecer informações valiosas para buscarmos a ampliação do público.
Uma das grandes dificuldades dos gestores de museus relaciona-se à escassez de estudos de público. Numa instituição como o Louvre, por exemplo, parte dos visitantes chega como por acaso, sem maior interesse ou informação, simplesmente acompanhando amigos ou familiares. Ao nos dizer por que não se interessam pelo museu ou, de forma mais ampla, pelos valores da cultura erudita, esses visitantes podem fornecer informações valiosas para buscarmos a ampliação do público.
Anne adverte que as pesquisas de público não tem como objetivo adequar acervos e exposições a um "visitante ideal", mas sim a busca de uma linguagem capaz de atingir aquele não-público, que se encontra distante da experiência letrada ou francamente marginalizado. (Registre-se a consoladora informação - para quem como nós costuma reclamar do escasso valor atribuído aos estudos e pesquisas de público no Brasil - de que o departamento de pesquisas do Louvre funciona com não mais de cinco funcionários.)
Outra dificuldade relaciona-se à manutenção dos espaços, já que as rendas oriundas do turismo cultural terminam irrigando mais o ramo hoteleiro do que as instituições culturais. Atualmente, cerca de 10 milhões de visitantes acorrem por ano ao Louvre, número que se deve em grande parte ao crescimento do turismo cultural, ocorrido na última década. Há contudo uma grande concentração desses visitantes, que se dirigem majoritariamente os espaços da Capital e bem menos a outras cidades francesas. Mesmo em Paris, há vários museus pouco visitados.
No século XIX, o papel de um museu era educativo, num sentido moralizante inclusive, função que se atribuía à arte em geral. A visitação era restrita a poucos dias da semana, mulheres só podiam entrar de chapéu, crianças, nem pensar, eram um perigo para as obras. Tal situação começa a se alterar na França em meados do século XIX, seja pela vontade do Estado francês de promover a cultura nacional, seja pela demanda do público, documentada no rico acervo de correspondência do Louvre. Ao longo do tempo, o museu deixa de ser apenas um depósito seguro para bens preciosos, passando a acolher diversos públicos e agregando as funções de instrução da juventude, fortalecimento do turismo, entre outras, sem deixar de preservar o seu acervo. Não obstante, ainda hoje o visitante encontra no museu um espaço "neutro" em certa medida, presidido pela autoridade "pura" do saber, num mundo exterior onde os discursos cotidianos são sustentados ora pela política ora pelo interesse comercial.
O tema que despertou particular interesse, nessa palestra, foi um programa do Museu que promove a prática e a apreciação artística nas prisões. A população carcerária é majoritariamente do sexo masculino, com média de idade próxima dos 30 anos, baixa ou nenhuma escolaridade. Há muitos imigrantes. Evidentemente, são pessoas marcadas pela violência, drogas e outros problemas psicológicos. Encontram-se privados de acesso a internet (e ao mundo exterior de uma forma geral), situação esta da qual compartilham 70% dos habitantes do planeta. Nessa descrição, tem-se um público oposto ao típico frequentador do Louvre, cujo estudo é particularmente interessante para a compreensão das causas da não-participação de uma grande parcela da sociedade na "alta" cultura.
Além da releitura e interpretação das obras, o programa estimula a atenção ao ambiente, agregando atividades de decoração, jardinagem e paisagismo. Em vista disso, os detentos que decidem participar recebem autorização para trabalhar com ferramentas normalmente proibidas, bem como maior flexibilidade nos horários. Evidentemente, isso só é possível devido à grande receptividade da administração carcerária, que compartilha os resultados das pesquisas. Os participantes atribuem grande valor a atividade, devido à oportunidade de se expressar, ao preenchimento do tempo "vazio", que implica o processamento de lembranças do passado e a projeção do futuro com alguma esperança, para além dos muros da prisão. Mesmo assim, nem todos se interessam em participar, e as dificuldades de ampliar esse público interno são enormes. Algumas exposições feitas na prisão chegaram a “retornar” ao museu, ocupando temporariamente um espaço lá.
Fato surpreendente, narrado por Anne, foi que vizinhos de uma penitenciária, ao saberem que ali ocorria uma exposição - com trabalhos dos detentos e reproduções do museu - pediram licença para visitá-la. Tal fato, ao tempo em que revela a situação de indigência da vizinhança em termos de acesso à cultura, demonstra que o programa, para além de seus próprios objetivos, logrou também modificar, em alguma medida, os sentimentos dominantes de rejeição ou vergonha daqueles que residem na vizinhança de um presídio.
Perguntada se havia dados sobre os visitantes brasileiros ao Louvre, a palestrante respondeu que a quantidade deles quadruplicou na última década. São em geral jovens, curiosos e autônomos, ficam mais tempo do que a média no museu e usam pouco as ferramentas destinadas a grupos, preferindo conversar com seus pares.
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